terça-feira, julho 06, 2010

Muitas línguas

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Todas as linguas, uníssonas, começaram a falar. Todas ao mesmo tempo, cada uma de um assunto diferente. Cada uma carregada de uma história, de uma cultura, de diferentes sonhos e anseios.

Eu, sentada, assitia aquela coreografia de salivas, extasiada, boquiaberta, calada. Não conseguia acreditar que tudo podia sim, e finalmente, ser uma coisa só. E éramos. Cada qual de um país, cada qual reorganizando o alfabeto à seu modo, mas no fim, uma coisa só. Gente.

sábado, julho 03, 2010

Alguma coisa

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"Nada não."

Eu sempre soube que ela franziria as sobrancelhas e me diria isso ao partir. O recuar em momentos de cheque fazia parte de sua beleza.
Seus olhos cansados sairam olhando as nuvens, e suas sandálias surradas, chutando pedras.
Eu fiquei no banco da praça sem entender, mais uma vez, o que tinha acontecido.
Até hoje procuro o rastro desse "Nada não". Mas perdi seu perfume de vista quando ela virou a esquina.

Pegadas

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Ele olhava o mar.

Uma por uma as lembranças de tudo que o havia levado para lá foram chegando e se sentando ao seu lado. As pequenas ondas quebrando na areia. Ele sempre teve medo de Deus pedir à seu pai para lhe sacrificar. Mas seu pai sempre disse que se isso um dia acontecesse, ele iria ter uma briga feia com Deus.

Essa e mais tantas lembranças.

Esse mesmo pai, foi capaz de bater em uma mulher. E na queda, ela conheceu a morte. Não era sua mãe, sua mãe havia morrido quando ele ainda tinha 6 meses. Agora ele tinha 30. Mas a mulher era mãe, de uma filha de 27 anos que ele jurou que encontraria e cuidaria.

E agora, de frente pro mar, cada pedaço de destino se encontrava. A mãe que nunca conhecera, a filha que nunca encontrara, as tantas mortes, as tantas vidas.

E quem disse que as pegadas ficam para sempre na areia? E quem disse que só as pegadas revelam as escolhas dos caminhos? E quem disse que ele não sabia voar?

quinta-feira, julho 01, 2010

Dia de bagunça

Ela acordou sem despertador naquela manhã. Sem despertador e sem obrigações. Olhou ao seu redor e deu aquele sorriso leve ao se sentir dentro de um caos de objetos. Sua mente estava enfim em paz. Pegou o aspirador de pó e colocou na porta do quarto. Os passarinhos cantavam da janela. Ela se impressionava a cada dia com a possibilidade de ouvir os passarinhos no meio de uma cidade grande. E de ouvir também um piano que sempre tocava em algum lugar ali por perto.

Mas antes de limpar, era preciso organizar. Ah, como ela amava isso! Colocar as coisas em ordem! Inclusive tinha tido até um pesadelo dias atrás. Sonhou que estava morando com uma amiga de faculdade e essa amiga reorganizava toda a casa, tirando tudo do lugar. Ela acordou rindo nesse dia por ter ficado tão brava e perdida no sonho.

Hoje era dia de fazer o que desse na telha. E com o aspirador na porta, pronta para começar a organização pré-limpeza, resolveu entrar na internet. Um email a levou por um outro caminho...

O caminho das palavras, dos pensamentos, dos sonhos, das emoções. Ah como era bom sentir tudo isso de novo! E o peito apertou por estar vivendo no limite da tensão. Mas ela ficou muito feliz que só faltava mais um ano, só mais um aninho e ela iria respirar.

Mas hoje não era dia de sufocar com nada! Deu um ponto final nesses pensamentos e foi organizar a bagunça interna, organizando a bagunça externa.