sexta-feira, outubro 15, 2010

Viaje, mon petit gamin

Viaje, mon petit gamin,
Viaje, que o mundo é infinito e cabe na palma de nossa mão
Com tantos céus e tantos chãos.
Mas mais interessante do que para onde vamos
é até onde chegamos
dentro de nós mesmos
e de nossa concepção do outro
e do todo.
Como somos ricos da mais pura e poderosa moeda que existe:
O amor!
Uma moeda que não se troca, que se dá.
E quanto mais damos, mais ele cresce
Quanto mais ele cresce, mais ele transborda
E transbordando, alcança o outro sem precisar mais de nós.
A poeira da tua estrada
É a areia invertida da ampulheta do tempo.
E ao contrário do que dizem por aí
O tempo não passa
O tempo se acumula dentro de nós
Em forma de lembranças felizes
E de alguns nós
Que tentamos desatar a cada novo passo.
Não tropesse em seus remorços, meu menino
Cuide deles com carinho
Para que enfim vcs possam se libertar.
Ah se eu pudesse te descrever
Quanta gente ainda vai cruzar seu caminho
E quantas águas ainda vão rolar
(cachoeira abaixo e neblina acima).
Quantos cheiros e gostos ainda irão permear seu corpo
Quantas sensações: do toque ao sopro
Um mergulho morno no mar.
Que cada momento de sua vida
Dure o tempo necessário para que faça parte de você.
Para tudo o que há de vir,
Que a bondade permeie seus julgamentos
E que a sentença final seja a inclusão.
Que seus sentimentos mais puros sejam seu guia
E que a terra te dê força para caminhar com os próprios pés.
Que assim seja.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Dias passados

Essa melancolia crônica que me habita, me desabilita por completo.
Chico canta e me leva prum passado tão presente, e tão inalcansável.
Tento, em vão, me desapegar daquelas velhas e boas sensações...
Procuro o botão para voltar no tempo,
mas algo me diz que essa tal máquina nunca existiu.
Tola...
Como é dificil viver e reviver tudo isso todo mês...
"Parem o mundo que eu quero saltar!"
Mas Raul já se foi
E minha cabeça roda
E as lágrimas rolam.

A constância da inconstância me alimenta.
E às vezes me sufoca...

terça-feira, julho 06, 2010

Muitas línguas

.
Todas as linguas, uníssonas, começaram a falar. Todas ao mesmo tempo, cada uma de um assunto diferente. Cada uma carregada de uma história, de uma cultura, de diferentes sonhos e anseios.

Eu, sentada, assitia aquela coreografia de salivas, extasiada, boquiaberta, calada. Não conseguia acreditar que tudo podia sim, e finalmente, ser uma coisa só. E éramos. Cada qual de um país, cada qual reorganizando o alfabeto à seu modo, mas no fim, uma coisa só. Gente.

sábado, julho 03, 2010

Alguma coisa

.
"Nada não."

Eu sempre soube que ela franziria as sobrancelhas e me diria isso ao partir. O recuar em momentos de cheque fazia parte de sua beleza.
Seus olhos cansados sairam olhando as nuvens, e suas sandálias surradas, chutando pedras.
Eu fiquei no banco da praça sem entender, mais uma vez, o que tinha acontecido.
Até hoje procuro o rastro desse "Nada não". Mas perdi seu perfume de vista quando ela virou a esquina.

Pegadas

.
Ele olhava o mar.

Uma por uma as lembranças de tudo que o havia levado para lá foram chegando e se sentando ao seu lado. As pequenas ondas quebrando na areia. Ele sempre teve medo de Deus pedir à seu pai para lhe sacrificar. Mas seu pai sempre disse que se isso um dia acontecesse, ele iria ter uma briga feia com Deus.

Essa e mais tantas lembranças.

Esse mesmo pai, foi capaz de bater em uma mulher. E na queda, ela conheceu a morte. Não era sua mãe, sua mãe havia morrido quando ele ainda tinha 6 meses. Agora ele tinha 30. Mas a mulher era mãe, de uma filha de 27 anos que ele jurou que encontraria e cuidaria.

E agora, de frente pro mar, cada pedaço de destino se encontrava. A mãe que nunca conhecera, a filha que nunca encontrara, as tantas mortes, as tantas vidas.

E quem disse que as pegadas ficam para sempre na areia? E quem disse que só as pegadas revelam as escolhas dos caminhos? E quem disse que ele não sabia voar?

quinta-feira, julho 01, 2010

Dia de bagunça

Ela acordou sem despertador naquela manhã. Sem despertador e sem obrigações. Olhou ao seu redor e deu aquele sorriso leve ao se sentir dentro de um caos de objetos. Sua mente estava enfim em paz. Pegou o aspirador de pó e colocou na porta do quarto. Os passarinhos cantavam da janela. Ela se impressionava a cada dia com a possibilidade de ouvir os passarinhos no meio de uma cidade grande. E de ouvir também um piano que sempre tocava em algum lugar ali por perto.

Mas antes de limpar, era preciso organizar. Ah, como ela amava isso! Colocar as coisas em ordem! Inclusive tinha tido até um pesadelo dias atrás. Sonhou que estava morando com uma amiga de faculdade e essa amiga reorganizava toda a casa, tirando tudo do lugar. Ela acordou rindo nesse dia por ter ficado tão brava e perdida no sonho.

Hoje era dia de fazer o que desse na telha. E com o aspirador na porta, pronta para começar a organização pré-limpeza, resolveu entrar na internet. Um email a levou por um outro caminho...

O caminho das palavras, dos pensamentos, dos sonhos, das emoções. Ah como era bom sentir tudo isso de novo! E o peito apertou por estar vivendo no limite da tensão. Mas ela ficou muito feliz que só faltava mais um ano, só mais um aninho e ela iria respirar.

Mas hoje não era dia de sufocar com nada! Deu um ponto final nesses pensamentos e foi organizar a bagunça interna, organizando a bagunça externa.

sábado, junho 05, 2010

Saltitando

Click aqui + Ctrl (L’autre valse d’Amelie de Yann Tiersen)

A colher sobre a mesa,
O copo meio cheio de água,
O café cheirando na cozinha,
O jardim florindo jasmins,
Um cajueiro e um balanço
À beira-mar
O som da chuva no telhado
Uma noite de vento
Mil estrelas cobrindo o campo
Grilos saltando de folha em folha
Passaros voando rumo ao leste
O por do sol
O farol
Areia branca
Manguezal
Maré vazia
Céu azul
Pé de mangaba
Pé de galinha
Marca dos anos que passaram
Leves e pesados
Cada dia uma medida prum mesmo peso
Cada dia um peso diferente
Medidas novas
Bolo de maracujá
Sensações à flor-da-pele
Piruetas no ar
Bolhas no ar
Cheiro de roupa lavada
Varal
Um adeus que dura até logo
E tudo recomeça.
A leveza insustentável
O ciclo do ciclo do ciclo
O carrossel
O não que virou sim
O eterno retorno
O pão com mel.

segunda-feira, março 08, 2010

Uma tarde livre

Ela acordou. O dia azul lhe sorriu aquele generoso "bom dia". Mais um dia. Frio, mas azul: o contrabalanço justo que ameniza os desgostos de um corpo que treme fácil. Para sua surpresa/tristeza/simples-constatação a contração do seu útero veio e levou embora alguns pensamentos que a acompanharam nas últimas semanas. Até que seria bom que as manchas vermelhas não viessem hoje. E nem pelos próximos meses. Mas enfim. Delírios à parte, quase tudo está como antes. Nada permanece igual. Essa era sua doce certeza. Esse era um pedacinho do mistério da vida que já tinha sido desvendado por ela. Ou oferecido à ela, vai saber...
Mas naquela tarde de ócio, como há muito tempo não se via. Ela leu umas páginas do livro que está quase no fim; viu uns trechos de uns filmes, daqueles que sacodem as estruturas do senso comum; chorou ao ler alguns textos na net e se emocionou assim de graça. Quer dizer, esse é um mistério não desvendado: esse andar à flor da pele que ela não sabe se tem haver com as oscilações hormonais, com algum transtorno psíquico/comportamental, se tem alguma relação com suas (possiveis) vidas passadas, se faz parte de sua personalidade ou... de fato, um mistério. Mas ela chorava por dentro quase que diariamente. Ela era feliz. Extremamente feliz. Mas tinha tanta coisa errada no mundo, que esse choro fazia parte de sua própria existência. Chorava pela injustiça e pela justiça; pela força de mudança das pessoas e pela entrega quando a força faltava; chorava pelo bonito e pelo feio; pelo bom e pelo mau; pelo certo e pelo errado. Mas pouca gente via. Era choro de alma. Choro de entendimento e de revolta. Mas era só olhar atentivamente que tudo estava exposto. Ela era transparente.
E nessa tarde livre, ela se entregou aos seus maiores prazeres: ler, pensar e escrever. Ah se ela pudesse ganhar a vida assim...

domingo, janeiro 31, 2010

O desespero no metrô

O desespero arrancara-lhe a alma
Como se de si nada mais restasse
Apenas um corpo gritando o irremediável.
De nada lhe serviam a lógica e a razão
Que por certo fariam-na parar.
Como parar quando nada existe adiante?
Quando a dor dilacera o corpo são
Sem nenum vestígio de injúria?
Quando a esperança já se foi por completo?
E assim, sua voz em gritos, alcançava tudo e todos
Suplicando um remédio, um auxílio, um milagre.
Mas se nem os anjos a ouviam
O que poderiam fazer os pobres mortais?
Aos poucos, seu corpo se rendeu ao seu vazio
O vazio de uma morada abandonada
O vazio da ausência dos sentimentos e sutilidades
O vazio de um corpo sem alma.
E os gritos se tornaram escassos.
Os gemidos, abafados pelo silêncio alheio.
Do que restou, mal se destinguiam os trapos, do ser.
E o rosto banhado em lágrimas pendeu, inerte
Sobre o chão que se tornou sua eterna morada.