segunda-feira, março 08, 2010

Uma tarde livre

Ela acordou. O dia azul lhe sorriu aquele generoso "bom dia". Mais um dia. Frio, mas azul: o contrabalanço justo que ameniza os desgostos de um corpo que treme fácil. Para sua surpresa/tristeza/simples-constatação a contração do seu útero veio e levou embora alguns pensamentos que a acompanharam nas últimas semanas. Até que seria bom que as manchas vermelhas não viessem hoje. E nem pelos próximos meses. Mas enfim. Delírios à parte, quase tudo está como antes. Nada permanece igual. Essa era sua doce certeza. Esse era um pedacinho do mistério da vida que já tinha sido desvendado por ela. Ou oferecido à ela, vai saber...
Mas naquela tarde de ócio, como há muito tempo não se via. Ela leu umas páginas do livro que está quase no fim; viu uns trechos de uns filmes, daqueles que sacodem as estruturas do senso comum; chorou ao ler alguns textos na net e se emocionou assim de graça. Quer dizer, esse é um mistério não desvendado: esse andar à flor da pele que ela não sabe se tem haver com as oscilações hormonais, com algum transtorno psíquico/comportamental, se tem alguma relação com suas (possiveis) vidas passadas, se faz parte de sua personalidade ou... de fato, um mistério. Mas ela chorava por dentro quase que diariamente. Ela era feliz. Extremamente feliz. Mas tinha tanta coisa errada no mundo, que esse choro fazia parte de sua própria existência. Chorava pela injustiça e pela justiça; pela força de mudança das pessoas e pela entrega quando a força faltava; chorava pelo bonito e pelo feio; pelo bom e pelo mau; pelo certo e pelo errado. Mas pouca gente via. Era choro de alma. Choro de entendimento e de revolta. Mas era só olhar atentivamente que tudo estava exposto. Ela era transparente.
E nessa tarde livre, ela se entregou aos seus maiores prazeres: ler, pensar e escrever. Ah se ela pudesse ganhar a vida assim...